Guilherme Braga Alves: O buraco é mais embaixo
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, anunciou há duas semanas uma parceria com empresários russos para construir uma grande laje de concreto sobre a via férrea entre as estações Central do Brasil e Maracanã. Esta iniciativa, parte do projeto Rio Sem Muros, seria o início de uma transformação muito mais ampla na cidade. Segundo o prefeito, o objetivo é enterrar a linha férrea entre o Méier e Santa Cruz através da construção de túneis, recuperando os bairros do entorno.
A parceria prevê que os recursos para custear a obra, cerca de R$ 10 bilhões, serão advindos da venda de CEPACs, Certificados de Potencial Adicional de Construção. Os CEPACs permitem que construtoras ultrapassem os limites estabelecidos pela legislação urbanística e construam prédios mais altos e maiores, ampliando sua receita na venda dos imóveis.
É fundamental que uma solução para o problema da linha férrea dividindo os bairros seja encontrada. Na Zona Oeste e em todo o subúrbio carioca são vários os casos de centralidades importantes, como Campo Grande, Bangu e Madureira, que estão partidas por conta da presença dos trilhos. Remodelar estes espaços, tornando-os mais agradáveis, densos, conectados e plurais é uma iniciativa com o potencial de revolucionar as dinâmicas urbanas locais, assim como toda a Região Metropolitana do Rio. Centros de bairro com mais comércio, serviços, habitações e áreas de convivência são uma tendência mundial que pode e deve ser replicada no Rio de Janeiro. Eliminar os muros da ferrovia seria um pontapé importante neste sentido.
Contudo, se é ponto pacífico que modificações devem ser feitas, deve-se apontar que causa preocupação a maneira através da qual o programa Rio Sem Muros é apresentado: sem propostas detalhadas, sem discussão popular, sem análises externas. Percebe-se a inaceitável falta de participação democrática reproduzida na política municipal. A discussão sobre a cidade fica somente na esfera do mercado, enquanto os cidadãos assistem sem poder opinar. Um prato cheio para corrupção e violação de direitos, tão comuns por aqui.
Além disto, vale questionar a viabilidade econômica do modelo de financiamento do projeto. A trágica experiência do Porto Maravilha, com suas milhões de CEPACs que não foram vendidas, somada ao momento de crise no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, levanta dúvidas sérias sobre a existência de demanda para mais construções na cidade. Considerando que o estado está em calamidade financeira e o município também está em crise, é possível dizer que o Rio não tem condições de sustentar mais um projeto que corre o risco de falhar ainda no começo.
É inegável a importância da transformação do entorno das ferrovias no subúrbio carioca e seus potenciais impactos positivos. Esta é uma oportunidade de remodelar a cidade onde vivemos e melhorar a vida dos seus cidadãos. Justamente por isso que este debate precisa ser feito de maneira séria, responsável, participativa e transparente. Um Rio com trens correndo sob a superfície é um sonho, mas justamente por isso precisamos ter calma: o buraco é mais embaixo.
Guilherme Braga Alves é bacharel em Relações Internacionais pela UFRJ. Cursa Mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos no NEPP-DH/UFRJ e integra o Laboratório do Direito Humano à Cidade. Desenvolve pesquisas na área de Mobilidade Urbana e Direito à Cidade.
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Guilherme Braga Alves
Bacharel em Relações Internacionais pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos pelo NEPP-DH/UFRJ – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 97982-7869.